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casadalapa

Artistas/Artists, São Paulo 2015

 

Convivendo nos Campos Elísios

A oito anos atrás nós estávamos na casadalapa sentados em volta da mesa almoçando num sábado e conversando sobre a criação por parte da Prefeitura na gestão Kassab em parceria com o Governo do Estado do Projeto Nova Luz, e o uso do crack para desqualificar a população local a fim de desvalorizar os imóveis e justificar as desapropriações removendo uma população pobre dando lugar a um chamado novo bairro.

Foi o foco para realizar uma intervenção chamada “onde está o Crack?” em conjunto com aliados e população local, esta intervenção consistiu na pintura de uma quadra de futebol na Alameda Barão de Piracicaba próximo ao Largo Coração de Jesus, nesta quadra Azul com a grafia em preto e branco da Frase “Onde está o Crack” foi palco de varia partidas de futebol entre artistas e moradores, justamente questionando que Crack este governo queria evidenciar e em nome do que?

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Oito anos depois a casadalapa é convidada a participar de um projeto piloto da secretaria de direitos humanos, chamado cidadania nas ruas junto à comunidade Boliviana da Feira da Kantuta. Nestas idas e vindas de reuniões na secretaria de direitos humanos na pasta de direito a cidade vem o pedido primeiro de contribuir na construção de um novo projeto da secretaria dentro da operação de Braços Abertos onde várias secretarias municipais lideradas pela saúde e assistência social focam o atendimento a dependentes químicos pelo uso de crack na região dos Campos Elísios. Como representante da casadalapa conversei bastante na formação deste novo projeto, onde defendo um trabalho com toda a população e não só com o usuário de crack, mas um projeto que incentive o convívio e o fortalecimento de um senso comunitário, onde de alguma maneira pudéssemos oferecer ferramentas de comunicação para aflorar as demandas sociais e de direitos humanos na comunidade. Misturando uma abordagem não só com os usuários mas com todos os moradores, crianças, idosos, mulheres, passante e profissionais, homens e mulheres, dependentes ou não. E uma das premissas seria a simplicidade e que este encontro se daria na rua, nas calçadas não em um ambiente fechado.

O projeto andou e não tinha ninguém para coordena-lo e veio o pedido de parceria da secretaria onde eu assumisse esta coordenação em conjunto com a casadalapa. Eu recusei pois hoje tenho um parâmetro claro de onde posso levar meus filhos junto. Por mais que conhecesse o crack e as idas e vindas conduzidas desta população pela cidade, eu tinha um enorme preconceito de como relacionar esta realidade de rua dentro do meu ambiente familiar, mesmo as crianças andando com a gente desde seus nascimentos em todas as intervenções de rua, aquela região virou um tabu pra mim com relação como explicar tamanha violência humana aos meus filhos, a degradação de uma população somente por interesses financeiros sendo estes em boa parte imobiliários.

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Passados hoje sete meses do início do projeto que denominamos casa rodante, a relação minha com a região mudou muito, além da vizinhança estabelecida a relação de poder conviver com a cena de consumo de crack e de alguma maneira contribuir na redução de danos está incorporada no meu dia a dia, apesar de toda a cena violenta que ainda persiste em torno da droga, hoje temos uma comunidade com que relacionamos e construímos ações de afirmação para o bairro, de resistência, de convívio mutuo, de brincar nas calçadas, tomar café, e este ambiente naturalmente fez com que os meus filhos passassem a frequentar os mutirões culturais do projeto com as demais crianças do bairro, muitas perguntas ainda não sei responder a eles, mas o viver esta situação esclarece muito mais que muitas resposta.

Julio Dojcsar

Integrante do coletivo casadalapa