Sobre/About

Sinopse

Medo e Confiança é  uma plataforma de ações artísticas que propõe uma reflexão sobre o questões sócio-político-culturais e ambientais, mídia, interatividade e espaço público. Neste contexto, pretende sensibilizar as pessoas através de novas formas de abordagem que promovam participação, discussão e contemplação estética, e que caminhem no sentido de uma maior compreensão, empatia e identificação.

Uma ruptura com o discurso do medo. Quando confiamos não julgamos, não agredimos, não duvidamos, nos abrimos, ouvimos, compreendemos, buscamos nos ver na posição do outro. Uma abertura para a discussão, um olhar mais humano e outros pontos de vista.

Plataforma

A plataforma engloba diferentes ações artísticas participativas desenvolvidas a partir de tecnologias sociais e interativas.

Entre os anos de 2014 e 2016 o artista desenvolveu três principais ações em três residências artísticas internacionais distintas: (1) o aplicativo para aparelhos celulares ‘Medo e Confiança’ (versão offline apenas para IOS), que possibilita a criação de diferentes modalidades de ações interativas no espaço público; (2) a performance ‘Jantar’; (3) e uma densa e abrangente pesquisa sobre estratégias para desenvolvimento de ações participativas no espaço público.

Motivações Conceituais

Introdução

Medo e Confiança é uma plataforma artística idealizada durante o programa de residência artística Tokyo Wonder Site em Tóquio, Japão 2014. A motivação para sua realização no Paço das Artes – e sua implementação em outras situações – nasce das minhas inquietudes com relação ao desastre nuclear em Fukushima em 2011 e de minha vontade em dar continuidade a um mergulho artístico e emocional na relação entre o medo e a confiança.

Relação complexa, que se materializou na forma de uma amizade muito especial com um fazendeiro de arroz da região de Fukushima / Japão chamado Yuji. Pela proximidade pessoal, tal dicotomia me trouxe estímulos muito humanos e profundos, que extrapolavam o próprio processo artístico.

Fiquei instigado em perceber que, mesmo no caso de um assunto sério e objetivo como o acidente nuclear em Fukushima, estamos abertos e suscetíveis a sugestões e opiniões e somos influenciados por relações de medo e confiança estabelecidas a partir de vínculos pessoais.

Mapa / Território

Ao aprofundar minha pesquisa e, consequentemente, meu interesse em torno do acidente, percebi um forte componente cultural na forma como as pessoas lidam com seus medos, sobretudo com relação às questões vinculados ao seu território. No Japão, a radiação nuclear e sua contaminação são temas recorrentes e vivenciados por mais de três gerações, não há como viver no país sem negociar com os medos e perigos em torno da questão.

Todavia, o acidente de Fukushima me alertou para outras facetas do problema: a reação das pessoas aos produtos advindos da região e a relação intrínseca entre medo e informação. O que me deixou bastante perplexo na época foi o fato de que ninguém conseguia precisar a real extensão geográfica da contaminação radioativa. A apreensão e o medo das pessoas estavam muito mais associadas ao nome Fukushima do que às informações cientificamente comprovadas, o que acarretava num outro problema, o preconceito e a discriminação para com os produtores agrícolas da região e a alguns tipos de pescados.

A dicotomia entre mapa, enquanto representação do espaço, e território, enquanto o espaço experienciado ficou ainda mais evidente na forma como a imprensa e os próprios japoneses lidaram com a situação. O assunto se tornou uma espécie de tabu, e conversar sobre ou lidar com algumas questões técnicas concernentes à contaminação de alimentos em público, passou a ser visto como um ato ofensivo e discriminatório. De modo que muitos produtos não continham mais informações de procedência. O medo das informações que aferíamos no mapa falava mais alto que a experiência e a vivência no território.

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Mapa do medo / Território da experiência

Em São Paulo, durante o programa de residência artística do Paço das Artes, a realização da plataforma foi fundamentalmente embasada sobre a dualidade mapa e território, e sua intrínseca relação com o medo e a confiança. A tradução da motivação conceitual e das experiências vivenciadas no Japão para o tema da violência urbana ressaltou ainda mais as contradições encontradas nesta dualidade, e me apontaram para outros aspectos da pesquisa.

Inicialmente centrado na proposição da construção do APP ‘Medo e Confiança’, minha pesquisa foi direcionada para o levantamento e a compreensão das possibilidades interativas que poderiam ser desenvolvidas, e para o entendimento acerca do interesse público no uso destas ferramentas de interação. Neste sentido, realizei inúmeros encontros com artistas de diferentes áreas, que para além de me auxiliarem profundamente na pesquisa de interface, resultaram num trabalho curatorial acerca de todo o processo criativo e investigativo da plataforma.

Todo o aprendizado dos encontros com outros artistas e pequisadores foi essencial para o entendimento da plataforma como um todo e para o desenvolvimento da arquitetura do APP. Avançamos muito na elaboração de estratégias de interação e design de interface a partir das motivações de uso identificadas. Explorei a dicotomia entre mapa e território, ao propor uma interface que permitia a postagem de áudios e fotos somente acessíveis quando o usuário estivesse no local, justapondo a representação da coisa e a coisa através da experiência.

Pós-verdade :: Mapa informação / Território vivência

Outro aspecto concernente a dualidade mapa e território bastante relevante a esta pesquisa – que me debrucei durante o período que estve em residência no Paco das Artes de São Paulo – foi sua intrínseca relação com a informação e o processo de construção de verdades. Tal cisma encontrou uma manifestação poética bastante frutífera dentro da plataforma na realização da performance ‘Jantar’, uma ação participativa em que confronto os convidados com seus próprios medos, preconceitos e contradições.

Na ação, sirvo um jantar com pratos japoneses utilizando arroz produzido na região de Fukushima. Reforço a presença do alimento, física e simbolicamente, expondo, na mesma sala, um pacote de arroz orgânico produzido pelo fazendeiro Yuji. Durante o jantar, numa conversa informal, contextualizo os convidados contando as motivações artísticas da plataforma e a minha relação com Yuji, ao mesmo tempo em que detalho os riscos e perigos de contaminação radioativa. Na realidade, pouco importa se o arroz servido era mesmo de Fukushima: a questão é compreender como os nossos mecanismos sociais e psicológicos de construção de verdades reagem quando confrontados.

Após sua realização em São Paulo, realizei esta ação na Colômbia em três situações distintas, e o interessante foi notar o quanto uma informação e uma vivência influenciam decisões tão importantes como a ingestão ou não de um alimento possivelmente contaminado. Quase todos os convidados não comeriam um alimento produzido em Fukushima se não tivessem vivenciado aquela situação de comunhão e integração. No Paço das Artes, dos oito convidados, apenas uma pessoa se recusou a comer o arroz. Em Bogotá, no Mapa Teatro, dos vinte e cinco presentes, apenas uma se recusou. E nas demais realizações, todos confiaram.

Introduction

Fear and Trust is an artistic platform conceived during the Tokyo Wonder Site residency program in Tokyo, Japan 2014. The concept was born of the artist’s concerns about the nuclear power plant disaster in Fukushima in 2011, and was inspired by a personal relation between the artist and a rice farmer.

BARRAQUINHA YUJI LOW

Yuji, the farmer

By the time, the artist was researching the relation of Silence and Japanese Society in his project at the residency program, and Space, Sound, Silence and the Japanese concept of Ma in his Master Degree dissertation. One notion of silence really called his attention though: nobody would mention or talk about the nuclear disaster.
This interest grew stronger when the artist, searching for organic rice, met Yuji, a rice farmer from the region of Fukushima. The artist was delighted with Yuji’s way of life and production system, which have aroused a relation of identity and ancestry due to his Japanese origins. A very specific relation of trust was established.
However, in the moment Tsuda knew the farm was in Fukushima, he faced his own fear of radioactivity. Most because, being a Brazilian, the artist never had any experience with such an important issue. But more than this: he was confronted by the opposition of the relation of fear and trust.

Japanese Spirit
The artist could not buy the pack of rice: he was not feeling safe enough to have it, even if his personal relation with Yuji was pointing to another direction, trust. This incident made the artist very concerned about the issue, and after some days researching everything about the accident and radioactivity, he came to a conclusion. He was faced by a kind of fear that Japanese people can negotiate with, due to the two bombs in the second war and their energy need. Even if it is a very serious issue, atomic radiation in Japan is a daily problem for more than 50 years. The relation of Japanese society with radioactivity became a complex fear of a problem that is deeply part of their own culture.
In this sense, the artist experienced the radiation issue in Japan as something much closer and much more human than he ever imagined. This perception led him to an analytical point of view, that every society has its own negotiable fears which is partially incomprehensible for the international community.
More than this, for foreigners the subject is cloudy and distant and its fear, polarized. The ordinary western point of view is basically focused in environmental issues outside Japan, like the countless questionable and doubtful articles about radioactive material in California, North Pole and so on.
In that sense, people tend to think that radiation is a governmental and environmental problem that may threat them because of the contaminated seawater, forgetting that there are still people struggling to survive in the region, with no other place to go. Local farmers and fishermen are condemned to be stigmatized even if there are no evidences of contamination in their products.

They do not have any other economic activity to develop, and more, Japanese people have a very strong commitment with their community and their region. They would never leave their houses and farms if there is still a way to live there, even with all the discrimination and difficulties. In that sense, is it correct to verify if their products are contaminated or not? Or we would reinforce the stigmatization and social prejudice against them? Who would check every single fish or rice pack with a Geiger counter?

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São Paulo

In transposing this reflection to São Paulo, the artist tried to identify what kind of environmental socio-political issue has the same complexity and depth than radiation in Japan, and suffers from the same misunderstanding and fear internationally.
There is no need to think hard to get into some conclusions, if one looks, for instance, to our apprehension with foreign visitors in the city: urban violence.
The artist identified, thus, in urban violence motivated by intolerance an interesting problem to work the relationship of fear and trust and a possibility of encounters and situations as sensitizing and enlightening as his experience with Yuji.